Revista Energy Engineering: Conversa sobre cabos
Jean-Sebastien Pelland fala com a Revista Energy Engineering sobre a indústria dos cabos
O setor energético do Reino Unido – e, por extensão, toda a nossa sociedade – está no limiar de uma enorme revolução. Mas, enquanto os tecnólogos visionários e os melhores engenheiros criam os sistemas inteligentes e as tecnologias renováveis da próxima geração, que irão alimentar o futuro, não estaremos a negligenciar o humilde cabo?
A cablagem estará subjacente a todas as partes da revolução energética iminente. Quer ligar a geração renovável descentralizada? Isso exige um cabo com altas especificações. Está a pensar em microrredes? Pense em cabo. Comprar um veículo elétrico e criar uma infraestrutura para o seu carregamento? Sim, outra vez os cabos. Até a tecnologia de armazenamento em baterias recorre a cabos.
Pode não ser atrativa ou empolgante, mas a cablagem é absolutamente crucial. Não é um exagero afirmar que o sucesso da revolução energética dependerá da qualidade dos cabos que a sustentam. O que estará – deverá estar – bem.
Sim, existem normas britânicas, europeias e internacionais para definir a construção e o desempenho dos nossos cabos, bem como regras de conformidade claras. É frequente as indústrias em que os cabos são utilizados também estarem sujeitas a regulamentos exigentes. Vários organismos industriais estão encarregados de manterem as normas atualizadas e adequadas à sua finalidade; as especificações que publicam são rigorosas, para salvaguardarem a segurança e a fiabilidade. O organismo britânico responsável pelas normas, o BSI (British Standards Institute) integra o CENELEC (o Comité Europeu de Normalização Eletrotécnica) e, enquanto membro, está obrigado a adotar as suas recomendações, para além dos regulamentos britânicos, promovendo a uniformização das normas na UE. Não existem sinais de que o Brexit afete este processo.
No entanto, apesar de tudo isto, estima-se que até 20% de todos os cabos no Reino Unido não estejam conforme as normas, sejam contrafeitos ou não disponham de aprovação1. Para um projeto, cabos que não estejam conforme as normas podem provocar paragens, problemas de fiabilidade e o aumento dos custos de manutenção, na melhor das hipóteses, e grandes riscos de segurança, na pior, bem como potenciais danos ambientais. Se um dos objetivos da transição energética é obter melhorias ambientais, a não conformidade deitaria por terra este objetivo.
É evidente que, para assegurar a segurança e o sucesso da revolução energética, continuará a ser necessário que os promotores das instalações e os engenheiros se mantenham vigilantes e assumam uma postura muito mais pró-ativa quanto à cablagem, para garantir que só são instalados produtos conformes.
Em conformidade
Para um leigo, a enorme variedade de tipos de cabos e a respetiva diversidade de normas seria algo extremamente confuso. Existem cabos para alimentação, dados, controlo e instrumentação; existem cabos de baixa tensão, média tensão e alta tensão; alguns cabos são blindados ou resistentes ao fogo; e podem ser revestidos por múltiplos materiais, frequentemente PVC, mas também compostos com baixa emissão de fumos e livres de halogéneos (LSZH). Para cada cabo ou material constituinte existe uma norma relevante (ou conjunto de normas) relativa a todos esses casos de utilização e características, bem como especificações sobre como devem ser testados quanto à sua conformidade.
Um desses diplomas legais aplicado a nível europeu, a Diretiva RSP (Restrição do uso de determinadas Substâncias Perigosas), foi concebido para evitar que produtos com níveis demasiado elevados de substâncias como chumbo, mercúrio e crómio hexavalente entrem na nossa cadeia de fornecimento - substâncias que podem ter um impacto devastador na saúde. Quaisquer cabos comercializados na UE têm de estar conforme a RSP e a maioria está, mas é fundamental ter a certeza absoluta.
Da mesma forma, há normas que determinam a propagação da chama (Teste de Chama Vertical de acordo com a BS EN 60331-1-2) e as emissões de gás pelos cabos em condições de fogo (BS EN 60754) – por exemplo, quando arde, o PVC emite cloro gasoso que, quando combinado com a água da atmosfera, se transforma em ácido clorídrico, para além de produzir um fumo espesso e opaco, que pode danificar equipamentos sensíveis e constituir um risco grave para a evacuação em segurança de quem se encontra no edifício. É por este motivo que, no Reino Unido, se recomendam materiais de revestimento com baixa emissão de fumos e livres de halogéneos para cabos instalados em edifícios e espaços públicos – emitem baixos níveis de fumos tóxicos, 60% menos fumo preto denso e nenhuns gases ácidos.
Regular a cadeia de fornecimento de cabos
Atualmente, o fabrico de cabos é limitado no Reino Unido. A maioria dos fabricantes de cabos em conformidade com as normas britânicas e europeias encontra-se em países como Itália, Espanha, Portugal e Turquia. Isto nada tem de mal, mas vigiar a aplicação das normas e regulamentos de longe pode ser mais difícil.
Pequenas alterações nas matérias-primas para a produção do cabo podem ter um enorme impacto no produto final. Por exemplo, pequenas reduções na concentração do teor de cobre do condutor podem afetar muito o desempenho do produto; ou a água utilizada na mistura do granulado para produzir os materiais de revestimento e isolamento pode ter níveis elevados de chumbo, devido às emissões de uma fábrica a montante.
No entanto, tudo isto poderia ser suficientemente controlado, se os cabos que não estão em conformidade com as normas pudessem ser, globalmente, impedidos de entrar na cadeia de fornecimento do Reino Unido. Infelizmente, isto nem sempre acontece tanto quanto deveria, o que significa que, na maioria dos casos, não é imediatamente aparente que comprou e instalou um cabo não conforme. Poderão passar anos até o problema ser detetado. Com a rede de energia descentralizada e mais inteligente, que leva cada vez mais cabo para o centro das nossas comunidades, é ainda mais importante compreender o impacto que a utilização de cabo não conforme poderá ter na segurança a longo prazo de um projeto.
Buracos na rede
Não é suficiente supor que cumpre as normas, só porque não foi assinalado qualquer problema com esse produto ou fornecedor anteriormente. Os bons fabricantes testam extensivamente os cabos antes de os comercializarem, enquanto as marcas de certificação de terceiros oferecem garantias preciosas, indicando a conformidade de um comprimento testado; mas trata-se apenas do teste de uma amostra e não de testes em cada lote ou cada tambor de cabo. Resta ainda o problema dos cabos fraudulentos que estão disponíveis para venda – cópias não conformes deliberadas, propositadamente semelhantes aos originais. Isto sublinha a importância dos testes ao longo da cadeia de fornecimento dos cabos, não apenas no ponto de fabrico, mas no ponto anterior à entrega ao utilizador final.
O que deve fazer o promotor das instalações?
Bem ou mal, o responsável último é a empresa que compra e instala o cabo. Se algo correr mal, pouco consolo é o facto de ter sido enganada por um cabo não conforme.
O erro fatal é supor. A maioria dos projetos compra os cabos a um fornecedor que consiga reunir os diferentes cabos e respetivos tamanhos de forma a realizar a sua entrega dentro do prazo - a compra direta nem sempre é uma opção, uma vez que nem todos os fabricantes produzem todos os tipos de cabos, requerem prazos de entrega longos e exigem grandes quantidades como encomenda mínima.
Então, agora o utilizador final está a confiar que o fornecedor de cabos tem a certeza de que cada lote de cada fabricante está em conformidade e de acordo com o preconizado – isto exige testes abrangentes, cujas características vão muito além das capacidades internas da maioria dos fornecedores. Sim, o utilizador final deve poder supor que qualquer cabo adquirido a um fabricante, fornecedor ou grossista no Reino Unido está em total conformidade e é adequado à finalidade preconizada, mas, infelizmente, isto nem sempre é assim.
Então, o que fazer? Nenhum sistema de controlo é sempre perfeito, mas há algumas coisas que os engenheiros, promotores e instaladores responsáveis podem fazer para minimizar o risco de utilização de cabos que não cumprem as normas ou não estão conformes:
Analisar a cadeia de fornecimento do fornecedor
Estas informações devem ser obtidas facilmente junto do fornecedor e são um dever de diligência básico para qualquer projeto. É importante que rastreiem os seus produtos e – idealmente – os testem em laboratórios próprios ou de terceiros. Se estas informações não forem apresentadas, abandone esse fornecedor.
Verificar a presença das marcas apropriadas
Não é infalível – pequenas alterações, um erro de teste ou ações fraudulentas podem levar a que um cabo deficiente apresente todas as marcas certas. Contudo, é uma verificação básica e fácil que é, frequentemente, ignorada.
Verificar as certificações
Os fornecedores de alta qualidade exibem com orgulho as certificações ISO, BSI e UKAS. Se o fornecedor que oferece o melhor negócio (o mais barato) não fizer o mesmo, vale a pena interrogar-se sobre o porquê disso. Para além dessas conceituadas certificações da indústria, também existem marcas reconhecidas internacionalmente, como a BSI RoHS Trusted Kitemark, que indicam as organizações que podem assegurar qualidade e conformidade.
Se alguma vez um engenheiro responsável suspeitar que o cabo de que dispõe não cumpre as normas, pode recorrer ao laboratório de um terceiro certificado e solicitar o teste desse cabo ou contactar as autoridades competentes para esse efeito. Uma avaliação independente da qualidade e conformidade do cabo permite obter certezas; no entanto, caso se trate de um lote defeituoso, será necessário tomar ações corretivas, o que significa que prevenir é sempre melhor que remediar.
É óbvio que, para evitar minar a transição energética, é importante acertar na cablagem. Pode não ser a parte mais atrativa do nosso emocionante futuro energético, mas é absolutamente vital. Pode ser perdoado por supor que, com o mercado tão estabelecido, a cadeia de fornecimento é fiável e digna de confiança. Em grande parte, estaria certo, mas sabe o que se diz sobre as suposições.
1 Números de acordo com a ACI (Approved Cable Initiative)